O Supremo Tribunal Federal fixou limite máximo de 60% do valor do tributo para multas por descumprimento de obrigações acessórias, com possibilidade de chegar a 100% em caso de agravante. A decisão, em repercussão geral, impacta diretamente a forma como empresas são autuadas pelos fiscos estaduais e ganha relevância especial na véspera da implementação da reforma tributária do consumo.
Por Thiago Leite — Especialista em Inteligência Tributária e Sócio da L4 Taxx.
Um novo marco para as penalidades fiscais no Brasil
Multas tributárias decorrentes de falhas em obrigações acessórias sempre foram um ponto sensível na relação entre empresas e administrações fiscais. Em diversos estados, penalidades por erros formais em documentos fiscais, SPED, NF-e e eSocial acabavam superando o próprio valor do tributo, gerando forte sensação de confisco e insegurança jurídica.
Em novembro de 2025, o STF concluiu julgamento em plenário virtual e definiu um teto para essas multas: em regra, não poderão ultrapassar 60% do valor do tributo, com parâmetros específicos para situações de agravante e para casos em que não seja possível estimar a base de cálculo do imposto. A decisão foi tomada em caso envolvendo a Eletronorte, mas, por ter repercussão geral, passa a orientar toda a jurisprudência nacional.
O tema torna-se ainda mais estratégico diante da reforma tributária do consumo, cuja transição terá início no próximo ano. Em um cenário em que CBS e IBS dependerão fortemente de declarações digitais, a calibragem das multas por obrigações acessórias influencia diretamente o ambiente de negócios e as decisões de investimento das empresas.
Análise técnica – Thiago Leite
“A decisão do STF restabelece um limite importante entre fiscalização legítima e confisco disfarçado. Multas sobre obrigações acessórias existem para incentivar o cumprimento das regras, não para inviabilizar empresas que já operam em um ambiente de alta complexidade tributária.”
“Ao fixar um teto de 60% – com hipóteses excepcionais de 100% em caso de agravante – o STF sinaliza que a proporcionalidade não é um princípio abstrato, mas um parâmetro concreto para leis estaduais e para a atuação dos fiscos. Isso abre espaço imediato para revisão de autos, readequação de débitos e renegociação estratégica de passivos.”
— Thiago Leite, L4 Taxx
Como votou o STF e qual tese prevaleceu
O julgamento envolveu três linhas principais de entendimento entre os ministros:
| Ministro | Tese defendida | Votos |
|---|---|---|
| Luís Roberto Barroso (relator) | Limitar as multas a 20% do valor do tributo, entendendo percentuais maiores como confisco. | 4 votos (Barroso, Edson Fachin, André Mendonça e Gilmar Mendes) |
| Cristiano Zanin | Admitir limite de 60%, com parâmetros adicionais quando não fosse possível estimar o imposto. | 2 votos (Zanin e Luiz Fux) |
| Dias Toffoli (tese vencedora) | Fixar teto de 60% do valor do tributo ou do crédito vinculado, com possibilidade de chegar a 100% em caso de agravante, e critérios objetivos para hipóteses sem base de cálculo clara. | 5 votos (Toffoli, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Nunes Marques) |
O que exatamente ficou decidido sobre as multas por obrigações acessórias
Regra geral
Na regra geral, a multa isolada por descumprimento de obrigação acessória:
- não pode ultrapassar 60% do valor do tributo ou do crédito tributário a ele vinculado.
Casos com agravante
Em situações consideradas agravantes – como fraude, dolo, simulação ou reincidência qualificada – o STF admitiu que a multa:
- possa chegar a até 100% do valor do tributo ou crédito vinculado.
Quando não é possível estimar o tributo devido
Se não for possível estabelecer a base de cálculo do imposto (por exemplo, em situações de ausência total de emissão de documentos ou registros), a decisão estabelece limites proporcionais ao volume de operações:
- a multa não pode ultrapassar 20% do valor da operação, e
- 0,5% da base de cálculo do tributo nos últimos 12 meses.
Com agravante, esses limites sobem para:
- 30% do valor da operação, e
- 1% da base de cálculo do tributo dos últimos 12 meses.
Comparativo: antes e depois da decisão do STF
| Situação | Cenário anterior | Após decisão do STF | Impacto para empresas |
|---|---|---|---|
| Multa por obrigação acessória sem agravante | Poderia exceder 100% do tributo, variando conforme a legislação estadual. | Limitada a 60% do valor do tributo ou crédito vinculado. | Redução de multas excessivas e maior previsibilidade na gestão de passivos. |
| Multa com agravante (fraude, dolo, etc.) | Alguns estados previam até 150% ou 200% do valor do tributo. | Pode chegar a até 100% do tributo. | Mantém caráter dissuasório, mas com teto constitucionalmente aceitável. |
| Operações sem base de cálculo clara | Uso de percentuais genéricos, muitas vezes sem conexão com a realidade econômica. | Limites de 20% da operação e 0,5% da base dos últimos 12 meses. | Parâmetros objetivos e alinhados à ideia de proporcionalidade. |
| Operações sem base clara com agravante | Grande margem para arbitrariedade na quantificação da multa. | Limites de 30% da operação e 1% da base dos últimos 12 meses. | Redução significativa da assimetria entre fisco e contribuinte. |
Exemplos práticos para empresas
Exemplo 1 – falha em obrigação acessória vinculada a tributo já apurado
Uma empresa deixa de entregar um arquivo digital obrigatório vinculado a um tributo já apurado. O valor do tributo devido no período é de R$ 200.000.
- Cenário anterior: a multa poderia superar R$ 200.000, dependendo da legislação local, chegando a 100% ou mais do valor do tributo.
- Após a decisão do STF: a multa, sem agravante, não pode ultrapassar R$ 120.000 (60% do tributo). Com agravante, o limite máximo passa a ser R$ 200.000 (100%).
Exemplo 2 – operação sem emissão de documento fiscal
Uma empresa realiza uma operação de R$ 80.000 sem emissão de documento fiscal, e não há base clara para estimar o tributo devido.
- Sem agravante: a multa não pode passar de R$ 16.000 (20% da operação) e deve respeitar o limite de 0,5% da base do tributo dos últimos 12 meses.
- Com agravante: o teto sobe para R$ 24.000 (30% da operação), limitado a 1% da base dos últimos 12 meses.
FAQ – Principais dúvidas das empresas sobre o teto de 60%
A decisão do STF vale para todos os estados e para o Distrito Federal?
Sim. Como o julgamento foi proferido em regime de repercussão geral, a tese fixada deve ser observada por todos os estados, municípios e pelo Distrito Federal, tanto na esfera administrativa quanto judicial.
Essa limitação se aplica apenas a multas futuras ou também às já aplicadas?
A tese pode ser invocada em processos ainda em curso, sejam administrativos ou judiciais, e pode fundamentar a revisão de autos já lavrados. Em relação a multas já pagas, é possível discutir restituição ou compensação, desde que observados prazos e condições legais.
A decisão atinge multas sobre a obrigação principal (não pagamento de tributo)?
Não. O julgamento tratou especificamente de multas isoladas por descumprimento de obrigações acessórias. Multas de mora e de ofício sobre a obrigação principal seguem outros parâmetros, embora também subordinadas a princípios como vedação ao confisco e proporcionalidade.
O entendimento do STF também se aplica à CBS e ao IBS na reforma tributária?
Sim. Ainda que a decisão tenha origem em um caso sob o regime atual, os princípios constitucionais que nortearam o julgamento também alcançam o novo sistema de tributação do consumo, influenciando a forma como futuras leis poderão disciplinar multas sobre obrigações acessórias.
O que pode ser considerado “agravante” para fins de multa de até 100%?
Em termos gerais, enquadram-se como agravantes situações de fraude, dolo, simulação, conluio ou reincidência qualificada. A caracterização exata depende da legislação de cada ente federado e da análise do caso concreto.
Minha empresa pode pedir revisão de autos de infração já lavrados acima do novo teto?
Sim. Autos que fixaram multas acima dos limites definidos pelo STF podem ser objeto de revisão, seja na esfera administrativa (impugnações, recursos) ou judicial, desde que haja estratégia jurídica adequada e documentação comprobatória.
É possível recuperar valores já pagos a título de multas acima de 60% ou 100%?
Em tese, é possível pleitear restituição ou compensação de valores pagos a maior, mas isso exige uma análise técnica detalhada, considerando prazos prescricionais, custo-benefício e eventuais modulações de efeitos que venham a ser definidas pelo STF.
Conclusão: Transformando risco em oportunidade tributária
A decisão do STF não é apenas um ajuste técnico em percentuais de multa. Ela reconfigura a forma como as empresas devem encarar a gestão de obrigações acessórias e o contencioso tributário. Em vez de tratar autuações como um dado imutável, abre-se um campo para revisão, readequação de passivos e melhoria de processos internos.
Do ponto de vista estratégico, três movimentos se tornam prioritários:
- Mapear e classificar multas isoladas aplicadas nos últimos anos, identificando aquelas que excedem os novos limites;
- Revisar contencioso em andamento, ajustando teses de defesa para incorporar a decisão do STF em repercussão geral;
- Reforçar programas de compliance e governança fiscal, especialmente no que se refere a SPED, NF-e, eSocial e controles de emissão de documentos fiscais.
Empresas que agirem de forma proativa podem, ao mesmo tempo, reduzir passivos, fortalecer a governança e se posicionar melhor para a transição à reforma tributária do consumo.
Como a L4 Taxx pode apoiar sua empresa após a decisão do STF
Diante desse novo cenário, alguns serviços se tornam particularmente relevantes dentro do portfólio da L4 Taxx:
Revisão tributária de multas e obrigações acessórias
- Levantamento e análise de autos de infração relacionados a obrigações acessórias.
- Identificação de multas acima dos limites de 60% e 100% estabelecidos pelo STF.
- Estruturação de estratégias para redução, cancelamento ou readequação de penalidades.
Transação tributária e negociação de débitos
- Recalculo de débitos à luz dos novos limites constitucionais de multa.
- Negociação com fiscos estaduais e federais para redução de encargos.
- Integração entre revisão de multas e instrumentos de transação tributária.
Compliance e governança fiscal
- Mapeamento de riscos em obrigações acessórias críticas para o negócio.
- Desenho e implementação de fluxos internos para evitar agravantes e reincidências.
- Monitoramento contínuo por meio de auditoria digital e cruzamento de informações.
Diagnóstico estratégico tributário L4 Taxx
Se sua empresa recebeu multas por obrigações acessórias, possui autos de infração em aberto ou deseja revisar a conformidade das declarações à luz da decisão do STF, a L4 Taxx pode realizar um diagnóstico completo, técnico e integrado, identificando oportunidades concretas de redução de passivos e fortalecimento da governança fiscal.

