Parecer simples chegar à base líquida de tributos, mas na prática entender as três camadas de tributação no Brasil virou condição de sobrevivência para quem não quer derreter margem com a Reforma Tributária.
A introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) marca um divisor de águas no sistema tributário brasileiro. Para contadores, gestores de Tax e advogados tributaristas, porém, a transição não é apenas normativa: ela redesenha a lógica de formação de preços, renegociação de contratos e análise de competitividade em toda a cadeia.
Por Thiago Leite — Especialista em Inteligência Tributária e Sócio da L4 Taxx.
A Complexidade Brasileira: Tributos ocultos e a cumulatividade crônica
É consenso: o sistema tributário brasileiro está entre os mais complexos do mundo. Além dos tributos visíveis e destacados em notas fiscais, existem inúmeras camadas de ônus fiscais que permanecem ocultas, mas impactam o custo final de bens e serviços.
Um exemplo clássico dessa complexidade é a cumulatividade. O Imposto Sobre Serviços (ISS), por exemplo, muitas vezes incide em diversas etapas da cadeia produtiva, sem possibilidade plena de crédito nas etapas seguintes, elevando o custo de geração da cadeia produtiva.
Essa característica não é exclusiva do ISS. Em um cenário B2B, a cumulatividade se torna uma barreira significativa para a eficiência econômica, alimentando um contencioso gigantesco em torno de PIS e COFINS, especialmente nas discussões sobre créditos de insumos a partir de critérios como essencialidade e relevância para a atividade econômica.
Simples Nacional como Gargalo de Cumulatividade no B2B
A situação é ainda mais crítica para empresas enquadradas no Simples Nacional. Apesar da aparente simplicidade, a reforma tributária, por meio da Lei Complementar nº 214/2025, estabelece que o IVA pode ser tributado de forma “por dentro” do DAS (regime irregular) ou “por fora” (regime regular), com débitos e créditos em modelo próximo ao Lucro Real.
Na prática, há uma forte tendência de empresas do Simples Nacional recolherem o IVA por dentro do DAS e não apropriarem créditos das compras. Resultado:
- Compras mais caras, sem abatimento de créditos;
- Crédito parcial ao adquirente dos demais regimes (Lucro Real, Presumido ou Simples em regime regular);
- Resíduos tributários que se transformam em custo efetivo na cadeia.
O efeito para o mercado B2B é a formação de uma cumulatividade velada, tornando produtos e serviços de empresas do Simples (regime irregular) menos competitivos para grandes clientes que dependem de crédito integral. A ausência de créditos em toda a cadeia gera um efeito cascata que impede a plena recuperação dos tributos nas etapas subsequentes.
A Base Líquida e o novo IVA: O coração da Reforma
A reforma tributária traz uma premissa que altera a forma de negociar preços: a formação a partir de uma base líquida de tributos. Em termos práticos, o valor sobre o qual o novo IVA (IBS/CBS) irá incidir deve ser o valor real da mercadoria ou serviço, expurgados os demais tributos.
A exceção relevante é o Imposto Seletivo (IS), pois a Constituição Federal de 1988 admite que o seletivo integre a base de cálculo do IBS e da CBS. O Art. 153, VIII, § 6º, inciso IV, da CF/88 prevê que o IS:
“integrará a base de cálculo dos tributos previstos nos arts. 155, II, 156, III, 156-A e 195, V”.
Isso reforça a importância de expurgar os demais tributos da base de cálculo para IBS e CBS. Quanto mais líquido for o preço de negociação de compras — ou seja, quanto mais desonerado de tributos ocultos e acumulados — melhor será a posição da empresa para negociar preços e preservar margens.
As três camadas de tributação no Brasil
Para entender o impacto real nos preços, é preciso ir além do que aparece na nota fiscal. Podemos classificar a tributação em três níveis:
T1 – Tributos destacados na nota fiscal
São os tributos que enxergamos no documento fiscal: ICMS, IPI, PIS, COFINS, ISS, entre outros. São os mais fáceis de identificar e contabilizar, mas aqui estamos falando apenas do tributo destacado pelo fornecedor, não do crédito que eventualmente reduz custo.
T2 – Tributos em cadeia ou semi-ocultos
Esse nível concentra boa parte da complexidade. Inclui, por exemplo:
- ICMS Substituição Tributária (ICMS ST);
- PIS/COFINS Substituição Tributária;
- PIS/COFINS monofásico;
- IPI concentrado no início da cadeia.
Esses tributos são recolhidos pela indústria ou importador e embutidos no custo dos produtos, repassados aos elos seguintes (distribuidores, atacadistas, varejistas) sem aparecer de forma clara nas notas intermediárias. São impostos que viram custo e impactam margens e preços de forma disfarçada.
T3 – Tributos verdadeiramente ocultos
Na terceira camada estão tributos incidentes sobre:
- Despesas administrativas (G&A);
- Investimentos (CAPEX);
- Despesas operacionais (OPEX).
Esses tributos não se conectam diretamente a um produto ou serviço de venda, mas compõem o custo total da empresa e acabam sendo repassados aos preços finais. Mapear T3 exige uma análise detalhada do ecossistema de custos da empresa e seus fornecedores, um desafio até para profissionais experientes.
| Camada | Como aparece | Risco para a formação de preço |
|---|---|---|
| T1 – tributos visíveis | Destacados na NF (ICMS, ISS, PIS, COFINS, etc.) | Se forem considerados “por dentro”, distorcem a base líquida e o cálculo do IVA |
| T2 – tributos em cadeia | Embutidos no custo por ST, monofásico, IPI concentrado | Tornam difícil enxergar o verdadeiro custo tributário do insumo |
| T3 – tributos do ecossistema | Incidem sobre G&A, CAPEX, OPEX e fornecedores | São repassados nos preços sem transparência, corroendo margens ao longo do tempo |
Análise técnica – Thiago Leite
“Quando falamos em base líquida de tributos na reforma, não estamos falando apenas de um novo cálculo: estamos falando de enxergar o que sempre esteve escondido. T1, T2 e T3 são camadas diferentes do mesmo problema — tributos que viram custo se não forem mapeados com precisão.”
“O maior risco para as empresas não é o IVA em si, mas negociar preço sem entender o que é líquido e o que é resíduo tributário. Quem continuar tratando preço apenas como ‘valor final de nota’ tende a perder margem de forma silenciosa, especialmente a partir de 2027.”
— Thiago Leite, L4 Taxx
A jornada da transição: 2026 e 2027
A partir de 2026 e 2027, o Brasil entra oficialmente em um sistema dual, com coexistência do regime atual e dos novos tributos por um período. O ano de 2026 funciona como um período de teste, com incertezas sobre repasses de preços. Em 2027, os impactos nos preços serão mais visíveis — e precisam estar mapeados ainda em 2026.
Mudanças esperadas incluem:
- Extinção de PIS e COFINS em 2027;
- Extinção dos incentivos fiscais federais vinculados a PIS/COFINS (como créditos presumidos);
- Alíquota de IPI zerada para a maioria dos produtos, exceto para a Zona Franca de Manaus (ZFM);
- Introdução do IBS com alíquota de 0,1% e da CBS em torno de 9,23% em 2027 (projeções técnicas), como parte de um IVA total próximo a 28% em regime pleno.
Ou seja: 2027 já trará um “ensaio geral” da carga do novo IVA, e a forma como cada empresa chegará nesse ano — com preços estruturados ou improvisados — fará diferença direta na competitividade.
O Laboratório de Preços: 2025 e 2026
Os anos de 2025 e 2026 configuram um verdadeiro laboratório de preços. É o momento de:
- Reavaliar tabelas de preços;
- Criar “espaço estratégico” para absorver ou repassar tributos em 2027;
- Negociar com fornecedores e clientes com foco em preço líquido de tributos.
Na prática, as empresas podem começar a ajustar seus preços para acomodar o impacto futuro do IVA, desde que isso seja feito com transparência contratual e alinhamento entre as áreas de negócios, jurídico e tributário.
Um exemplo emblemático foi o movimento da META (controladora de Facebook, Instagram e WhatsApp), que já comunicou readequações de preços atreladas à reforma. Em síntese, a estratégia passou por:
- Inserir PIS, COFINS e ISS “por dentro” em 2026 (gross up);
- Expurgar esses tributos em 2033 para formar um “novo líquido”;
- Aplicar o IVA sobre essa base, implicando aumento efetivo relevante.
Mesmo sem ir tão longe no horizonte (2033), o recado é claro: muitos players relevantes já estão operando com lógica de recomposição prévia de preços.
Desafios estratégicos na formação do preço líquido
A formação do preço líquido na transição traz desafios como:
- Calcular o preço bruto “menos” tributos do fornecedor, tributos em cadeia e tributos do ecossistema;
- Negociar contratos que considerem cláusulas de reajuste atreladas à Reforma Tributária;
- Configurar ERPs para refletir bases de cálculo líquidas, CST, cClassTrib, TES, TAXBRA, entre outros parâmetros;
- Garantir que falhas no XML e nas notas técnicas não se transformem em riscos operacionais enormes em 2026 e 2027.
FAQ – principais dúvidas sobre base líquida, três camadas de tributação e formação de preços
Qual é a diferença entre preço bruto e preço líquido de tributos na prática?
O preço bruto é o valor cheio da operação, muitas vezes com tributos “por dentro” e resíduos de T2 e T3 embutidos. O preço líquido de tributos é o valor após expurgar tributos visíveis, em cadeia e, na medida do possível, tributos do ecossistema, servindo de base para o novo IVA (IBS/CBS), exceto o Imposto Seletivo quando aplicável.
Por que as empresas do Simples Nacional podem se tornar gargalos de cumulatividade?
Porque, ao recolher o IVA por dentro do DAS e não apropriar créditos, elas transformam tributos anteriores em custo e entregam apenas crédito parcial aos compradores, criando resíduos tributários que distorcem margens em cadeias B2B.
Como T1, T2 e T3 afetam a formação de preço no pós-reforma?
T1 afeta o cálculo direto de tributos destacados; T2 adiciona custos “invisíveis” por substituição ou concentração; T3 espalha tributos em toda a estrutura de despesas da empresa. Sem mapear as três camadas, o preço final tende a carregar mais tributo do que deveria e menos margem do que se imagina.
A partir de quando PIS e COFINS deixam de ser relevantes para a formação de preço?
A partir de 2027, quando serão extintos, substituídos pelo novo IVA (CBS e IBS). Isso não elimina o histórico de créditos e discussões, mas altera a lógica de formação de preços e de repasse tributário.
Vale a pena “recompor” preços já em 2025 e 2026?
Sim, desde que a estratégia seja técnica, transparente e contratualmente sustentada. Esses anos funcionam como laboratório para criar espaço de margem e alinhar expectativas com o mercado antes da plena entrada do IVA.
Meu ERP atual dá conta de trabalhar com base líquida de tributos?
Na maioria dos casos, não sem ajustes. Será necessário revisar cadastros, regras de tributação, parametrizações de TES, CST, cClassTrib, além de garantir que os XML reflitam corretamente bases líquidas e novos campos de IBS/CBS.
Qual o risco de não mapear fornecedores da curva A antes de 2027?
O risco é negociar preços com base em números contaminados por resíduos tributários e, na prática, aceitar margens menores do que o necessário. Fornecedores da curva A devem ser priorizados em enquetes, mapeamento tributário e revisões contratuais.
Como a L4 Taxx pode apoiar sua empresa na formação de preços no pós-reforma
A L4 Taxx atua justamente na interseção entre reforma tributária, formação de preços e governança de dados fiscais, ajudando empresas a enxergar as três camadas de tributos (T1, T2 e T3) e a construir uma base líquida sólida para negociar com segurança.
Mapeamento tributário e precificação baseada em base líquida
- Levantamento das três camadas de tributos na cadeia (T1, T2, T3);
- Cálculo de preços líquidos para compras e vendas em diferentes cenários (2025–2033);
- Simulações de impacto de IBS/CBS por segmento, regime e perfil de cliente.
Reengenharia de contratos, cadastros e ERPs
- Revisão de contratos comerciais com cláusulas específicas para a Reforma Tributária;
- Saneamento de cadastros de itens, fornecedores e clientes;
- Parametrização de ERP (TES, CST, cClassTrib, regras de IVA) e revisão de XMLs fiscais.
Governança tributária e estratégia de transição 2025–2027
- Desenho de “laboratório de preços” para 2025 e 2026, com testes controlados;
- Definição de políticas de repasse (integral, parcial, escalonado) de novos tributos;
- Estratégias de recuperação tributária acelerada antes da extinção de PIS/COFINS.
Diagnóstico estratégico de formação de preços na Reforma Tributária
A L4 Taxx entrega inteligência tributária com precisão, segurança e estratégia. Se a sua empresa precisa transformar a complexidade da Reforma em vantagem competitiva — com base líquida bem definida, margens protegidas e contratos alinhados — é hora de estruturar um diagnóstico completo.

