A discussão sobre a incidência de IBS e CBS na locação residencial pura de imóveis, após a edição da LC 214/2025, expõe um dos pontos mais sensíveis da Reforma Tributária do Consumo: até que ponto o legislador complementar pode reclassificar fatos tradicionalmente inseridos no campo da renda (IR) e do Direito Civil Patrimonial como fatos geradores de um IVA dual? Ao incluir a locação no conceito de “fornecimento oneroso de bens”, a LC 214/25 reacende o debate sobre os limites constitucionais dessa opção e sobre a proteção da locação residencial desprovida de caráter empresarial.
A locação de imóvel residencial sempre foi tratada, no núcleo do sistema, como renda imobiliária tributada pelo IR, em um instituto de natureza civil, voltado à fruição de patrimônio. A EC 132/23 e a LC 214/25, ao reposicionar a locação dentro do conceito de tributação sobre o consumo, criam um potencial conflito entre o regime histórico e o novo IVA dual. A pergunta-chave passa a ser: toda locação residencial pode ser tratada como operação de consumo, ou há um espaço protegido para hipóteses estritamente patrimoniais?
Por Thiago Leite — Especialista em Inteligência Tributária e Sócio da L4 Taxx.
Reforma do consumo e a locação residencial no centro do debate
A Reforma Tributária do Consumo, materializada pela EC 132/2023 e regulamentada pela LC 214/2025, migra o sistema brasileiro para um modelo de IVA dual, com:
- IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, de competência compartilhada entre estados, Distrito Federal e municípios; e
- CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência federal.
Nesse contexto, a LC 214/25 amplia a noção de operações sujeitas ao IVA, incluindo, no conceito de “fornecimento oneroso de bens”, hipóteses de locação. O problema surge quando essa redação é aplicada à locação residencial pura, sem caráter empresarial, tradicionalmente:
- Enquadrada como contrato civil de fruição de coisa, com natureza patrimonial; e
- Tributada como renda imobiliária pelo IR, e não como serviço (ISS) ou consumo.
É justamente nessa fronteira que se instala uma zona de incerteza: a locação residencial pura, desprovida de organização empresarial e de prestação típica de consumo, pode ser “puxada” para o campo do IBS/CBS sem violar princípios e conceitos estruturantes do sistema tributário?
EC 132/23, LC 214/25 e o enquadramento da locação como fornecimento oneroso de bens
A EC 132/23 autoriza a criação do IVA dual e a LC 214/25, ao regulamentá-lo, inclui a locação dentro da materialidade de bens e serviços, ao lado de contratos clássicos de fornecimento. Essa opção legislativa:
- Busca ampliar a base potencial de incidência do IBS/CBS;
- Procura evitar “zonas de não tributação” decorrentes de distinções formais entre compra e locação;
- Mas toca em um instituto com tratamento consolidado no Direito Civil e no IR.
Do ponto de vista técnico, a pergunta não é apenas se a Constituição permite que a locação seja alcançada pelo IVA, mas:
- Se toda e qualquer locação residencial pode ser tratada como operação de consumo; ou
- Se apenas certos modelos econômicos de exploração imobiliária – com perfil empresarial, rotatividade, serviços acessórios e estrutura de “produto de consumo” – se encaixariam de forma legítima na materialidade do IBS/CBS.
Jurisprudência do STF: locação não é serviço e o papel do art. 110 do CTN
A jurisprudência do STF sobre locação é firme desde o início dos anos 2000 ao afirmar que:
- Locação não é serviço para fins de ISS, pois o núcleo da operação é a fruição de um bem, e não a prestação de um fazer;
- O contrato de locação tem natureza civil patrimonial, ligada à utilização temporária de um ativo, e não à circulação econômica típica de serviços.
Nesse cenário, o art. 110 do CTN ganha relevância: a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos de Direito Privado utilizados pela Constituição para definir competências tributárias. Em outras palavras:
- A LC 214/25 não pode simplesmente “rebatizar” a locação residencial pura como consumo, se a essência do instituto continuar sendo patrimonial;
- A tentativa de enquadrar toda locação dentro do IVA pode esbarrar em limites constitucionais e gerar contenciosos relevantes.
Locação residencial pura x exploração econômica com perfil de consumo
Um ponto central da análise é distinguir:
- Locação residencial pura – típica situação em que pessoa física ou jurídica coloca imóvel para moradia, com poucas unidades, foco em preservação patrimonial e renda recorrente, sem oferta de serviços típicos de hospedagem ou consumo; e
- Modelos empresariais de exploração imobiliária – portfólios amplos, alta rotatividade, oferta combinada de serviços (limpeza, mobiliário, facilidades), estruturas que se aproximam de hospedagem e produtos típicos de consumo.
Do ponto de vista de IBS/CBS, é plausível defender:
- Não incidência em hipóteses estritamente patrimoniais, nas quais:
- Predomina a lógica de renda (IR);
- Não há estrutura empresarial organizada para consumo;
- Os elementos do negócio se aproximam mais da fruição de patrimônio do que da oferta de bens/serviços a consumidores.
- Incidência ampliada em modelos de locação com forte perfil econômico de consumo, como:
- Conjuntos de flats com serviços;
- Estruturas de locação por temporada que se confundem com hospedagem;
- Empreendimentos com pacote de serviços recorrentes associados ao uso do imóvel.
Comparativo: renda imobiliária (IR) x tributação pelo consumo (IBS/CBS)
| Aspecto | Regime de renda (IR sobre aluguel) | Regime de consumo (IBS/CBS) | Ponto de tensão pós-LC 214/25 |
|---|---|---|---|
| Natureza jurídica | Renda derivada da fruição de patrimônio (Direito Civil Patrimonial). | Tributo sobre circulação econômica de bens e serviços, típico de consumo. | Risco de tratar como “consumo” o que estruturalmente é fruição patrimonial. |
| Sujeito passivo típico | Proprietário ou titular de direitos reais, pessoa física ou jurídica. | Fornecedor em cadeia de consumo, com repasse de tributo ao usuário final. | Dúvida sobre se o locador residencial atua como “fornecedor” em relação ao inquilino. |
| Âmbito de competência | Tributos diretos sobre renda, de competência da União (IR). | IVA dual (IBS/CBS), com partilha entre entes federativos. | Possível sobreposição de tributação (IR + IBS/CBS) em um mesmo fluxo econômico. |
Principais riscos e pontos de atenção para locadores e estruturas imobiliárias
| Tema | Risco ou incerteza | Ponto de atenção estratégico |
|---|---|---|
| Locação residencial de pessoa física | Interpretações que tentem enquadrar toda locação como operação de consumo. | Reforçar documentação e perfil patrimonial da locação, alinhado ao IR. |
| Holdings e veículos imobiliários | Questionamentos sobre quando a escala e a organização transformam a locação em atividade econômica típica de consumo. | Segmentar modelos de exploração (residencial pura x produtos híbridos com serviços) e avaliar riscos por linha de negócio. |
| Modelos híbridos (locação + serviços) | Maior probabilidade de enquadramento em IBS/CBS, aproximando-se de hospedagem/prestação de serviços. | Distinguir claramente o que é renda imobiliária e o que é remuneração por serviços agregados. |
Análise técnica — Thiago Leite
“A LC 214/25 dá um passo ousado ao incluir a locação no conceito de fornecimento oneroso de bens, especialmente quando olhamos para a locação residencial pura. A jurisprudência do STF sempre tratou a locação como instituto patrimonial, e não como serviço; agora, a reforma tenta aproximá-la da lógica de consumo, típica de um IVA.
Do ponto de vista tributário estratégico, a pergunta que empresas e investidores precisam se fazer não é apenas ‘se’ haverá IBS/CBS sobre locação, mas ‘onde’ está a linha divisória entre uma locação de caráter estritamente patrimonial e estruturas sofisticadas de exploração imobiliária com perfil de consumo. É nesse limite – entre renda e consumo – que se formarão os casos que irão balizar a jurisprudência futura.”
– Thiago Leite, L4 Taxx
Estudos de Caso L4 Taxx – locação residencial e IBS/CBS na prática
A seguir, três exemplos de como a L4 Taxx pode apoiar contribuintes e estruturas imobiliárias na leitura tributária da locação pós-LC 214/25.
Estudo de Caso 1 – Pessoa física com poucos imóveis residenciais para locação
- Contexto: pessoa física com 2 ou 3 apartamentos residenciais locados de forma estável, sem oferta de serviços adicionais, com contratos de longo prazo.
- Desafio: compreender se a locação pode ser arrastada para a incidência de IBS/CBS ou se permanece integralmente no regime de renda (IR).
- Diagnóstico L4 Taxx: análise do perfil econômico da locação, da ausência de características empresariais e da aderência à natureza civil patrimonial reconhecida pela jurisprudência.
- Plano de ação: reforço documental do enquadramento como renda (declarações, contratos, perfil de exploração) e elaboração de nota técnica para uso em eventuais questionamentos.
- Resultado: maior segurança na defesa da não incidência de IBS/CBS em hipótese de locação residencial pura, desprovida de caráter empresarial.
Estudo de Caso 2 – Holding familiar com portfólio residencial relevante
- Contexto: holding patrimonial que concentra vários imóveis residenciais de uma família, parte deles locados, parte ociosos, com gestão centralizada dos contratos.
- Desafio: definir se o porte e a organização podem ser interpretados como atividade econômica de consumo, elevando o risco de incidência de IBS/CBS.
- Diagnóstico L4 Taxx: mapeamento da carteira de locação, análise da forma de contratação, grau de padronização, serviços agregados e perfil dos inquilinos.
- Plano de ação: segmentação de operações (locação patrimonial x modelos híbridos), definição de políticas internas para novos contratos e preparação de teses de defesa alinhadas à jurisprudência do STF e ao art. 110 do CTN.
- Resultado: governança tributária mais clara, com distinção entre linhas de negócio de baixa exposição a IBS/CBS e segmentos que exigem monitoramento reforçado.
Estudo de Caso 3 – Estrutura de locação por temporada com serviços agregados
- Contexto: sociedade que explora imóveis residenciais em locação por temporada, com serviços de limpeza, mobiliário, facilidades e alta rotatividade de usuários.
- Desafio: compreender em que medida a operação já se aproxima de hospedagem ou produto de consumo típico, com maior probabilidade de incidência de IBS/CBS.
- Diagnóstico L4 Taxx: análise da cadeia econômica, da composição do preço (uso do imóvel x serviços) e do enquadramento da atividade frente à LC 214/25.
- Plano de ação: modelagem tributária que distinga claramente parcelas de renda imobiliária e remuneração por serviços, avaliação de cenários de IBS/CBS e construção de estratégias de mitigação de riscos.
- Resultado: visão mais precisa do risco de incidência de IBS/CBS, com alternativas estruturais para reduzir conflitos futuros e preservar a competitividade do modelo de negócio.
FAQ – principais dúvidas sobre IBS/CBS e locação residencial pós-LC 214/25
A locação residencial pura passará a pagar IBS e CBS automaticamente?
Não há resposta simples ou automática. A LC 214/25 inclui a locação no conceito de fornecimento oneroso de bens, mas a locação residencial pura, sem caráter empresarial, continua ancorada em um instituto civil patrimonial historicamente tratado como renda (IR). Há espaço relevante para defender a não incidência de IBS/CBS em hipóteses estritamente patrimoniais, especialmente à luz da jurisprudência do STF e do art. 110 do CTN.
Qual é a diferença entre locação patrimonial e locação com perfil de consumo?
Na locação patrimonial, o foco é a fruição do imóvel como ativo, com contratos estáveis, poucos imóveis e ausência de serviços típicos de consumo. Já na locação com perfil de consumo, há:
- Maior rotatividade de usuários;
- Pacotes de serviços agregados (limpeza, facilidades, hospitalidade);
- Organização empresarial voltada ao usuário final como consumidor.
É nesse segundo grupo que o risco de incidência de IBS/CBS tende a ser maior.
Migrar os imóveis para uma holding ou pessoa jurídica muda o risco tributário?
A simples migração da titularidade do imóvel para uma holding não define, por si só, a incidência de IBS/CBS. O que importa, do ponto de vista do IVA, é o perfil econômico da operação: escala, organização, serviços agregados, exposição ao mercado de consumo. Ainda assim, o modelo societário e contratual precisa ser analisado com cuidado para não reforçar uma leitura de atividade econômica típica de consumo.
O IR sobre aluguel continua existindo mesmo com o IBS/CBS?
Sim. A Reforma do Consumo não substituiu o IR. A renda de locação permanece sujeita ao IR (pessoa física ou jurídica). A questão é evitar um cenário de dupla tributação econômica sobre o mesmo fluxo (IR + IBS/CBS) em hipóteses nas quais a locação não se encaixa na materialidade de consumo, mas permanece na esfera patrimonial.
Há risco de conflito entre a LC 214/25 e a jurisprudência do STF sobre locação?
Sim. A jurisprudência consolidada do STF reconhece que locação não é serviço e que seu núcleo é patrimonial. Se a LC 214/25 for interpretada de maneira a submeter toda locação residencial ao IVA, sem distinção entre hipóteses patrimoniais e de consumo, abre-se espaço para questionamentos por violação de conceitos de Direito Privado (art. 110 do CTN) e de segurança jurídica.
O que empresas e investidores devem monitorar nos próximos anos?
É essencial acompanhar:
- Atos infralegais que tentem detalhar a incidência de IBS/CBS sobre locação;
- Decisões judiciais que enfrentem casos concretos de locação residencial e modelos híbridos;
- Posicionamentos de fiscos e comitês gestores sobre a materialidade da locação no IVA dual.
Como a L4 Taxx pode apoiar na análise de IBS/CBS sobre locação?
A L4 Taxx pode apoiar na leitura técnico-tributária da locação à luz da LC 214/25, na segmentação de operações por perfil de risco, na construção de posicionamentos formais de não incidência em hipóteses patrimoniais e na modelagem de estruturas para mitigar a exposição ao IBS/CBS em modelos econômicos mais complexos.
Contexto e referências: EC 132/2023, LC 214/2025, debates sobre a materialidade do IVA dual, jurisprudência do STF sobre locação como instituto patrimonial e discussões doutrinárias sobre a compatibilidade entre tributação da renda e tributação do consumo.
Como a L4 Taxx pode apoiar sua empresa
A discussão sobre IBS/CBS na locação residencial não é apenas teórica. Ela impacta diretamente holdings, fundos, famílias com patrimônio imobiliário relevante e estruturas empresariais que combinam uso e locação de imóveis. A L4 Taxx apoia na construção de uma agenda tributária sólida para esse novo cenário.
Diagnóstico da carteira de locação e perfil econômico das operações
- Mapeamento de imóveis, tipos de contratos e perfil dos locatários.
- Classificação de operações em: locação patrimonial, modelos híbridos e atividades com forte perfil de consumo.
- Identificação de pontos de maior exposição potencial a IBS/CBS após a LC 214/25.
Estruturação tributária de investimentos imobiliários
- Análise de diferentes veículos (pessoa física, holding, sociedades operacionais) sob a ótica de IR e IVA dual.
- Avaliação de impacto de IBS/CBS em diferentes modelos de exploração imobiliária.
- Definição de diretrizes para novos investimentos, contratos e modelos de negócios envolvendo locação.
Gestão de risco contencioso e defesa de não incidência
- Elaboração de pareceres e notas técnicas sobre a natureza patrimonial da locação residencial pura.
- Preparação de argumentos alinhados a precedentes do STF e aos limites do art. 110 do CTN.
- Suporte estratégico em eventuais autuações ou discussões administrativas e judiciais envolvendo IBS/CBS.
Planejamento tributário na transição para o IVA dual
- Integração da pauta da locação à agenda mais ampla da Reforma Tributária do Consumo.
- Simulação de cenários de carga global (IR + IBS/CBS) por tipo de operação imobiliária.
- Definição de um plano de ação de médio prazo, com monitoramento de normas e jurisprudência.
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